Kaya Kalpa - Alquimia da Imortalidade.

Mito, lenda ou Realidade?

Almejada por muitos, a busca por uma vida eterna aparece com freqüência na história da humanidade. Prolongar a vida é o que cada vez mais a ciência procura, todos querem ser imortais, mas eternamente jovens. Será que o elixir da juventude realmente existe?

Por Ana Carla Camargo


Crescemos vendo filmes em que com apenas uma poção mágica, o corpo fica eternamente jovem, imortal. Sonhamos ás vezes, em poder por um momento, tomar uma poção ou uma pílula mágica e ficarmos para sempre com 20, 30 anos. Será que podemos nos sentir e permanecer com nosso corpo jovem, independente da idade que temos?

Essa alquimia do rejuvenescimento parece que existe, e não está somente nas telas do cinema. Está muito mais perto. Esqueça aquela velha história da bruxa feia, vestida com trapos e com suas poções mágicas. Aqui a alquimia vem através de médicos e terapeutas ayurveda, o segredo da longevidade está na prática ayurvédica Kaya Kalpa. O nome vem do sânscrito Kaya (corpo) Kalpa (transformação), podemos definir também como rejuvenescimento do corpo ou renovação do corpo.

Kaya Kalpa seria apenas uma lenda?

Existe uma história que, aproximadamente 10.000 anos atrás, na antiga Índia, viveu um rei que tinha uma filha com uma forte personalidade. Ela recusou-se casar com alguns dos príncipes elegíveis que lhe foram apresentados. Um dia o rei perdeu a paciência e decretou que ela deveria ficar de olhos vendados e, colocada no pátio do castelo no meio de todos seus pretendentes. O homem que ela tocasse primeiramente devia ser seu marido, e seus filhos continuariam a linha real.

Nesse dia um Homem Santo, idoso, vagava no pátio para entregar ervas medicinais ao Rei, por acaso, foi tocado primeiramente pela princesa. O Homem tentou convencer o rei que, devido à sua idade avançada, não era capaz de casar-se com a princesa. O rei se recusou a ouvir o Homem Santo, e deu 90 dias para tornar-se pronto para o casamento. Então ele ficou perplexo e não sabia o que fazer. No caminho para casa ele consultou um grande Yogue, que estava ciente de sua posição delicada, e ofereceu-lhe um tratamento para rejuvenescer o seu corpo, a fim de resolver o dilema.

Por 90 dias o Homem Santo, ficou recluso em uma cabana, protegido de todas as condições climáticas e as influências externas, comeu uma dieta especial, executou técnicas de respiração, tomou banhos com ervas e com óleos sagrados. No fim desse tempo seu cabelo tinha transformado de cinzento para o preto, um jogo novo de dentes tinha crescido em sua boca, e sua pele e corpo eram jovens e fortes. Casou com a princesa. Tiveram muitas crianças e naturalmente viveram felizes para sempre. Este era o começo do tratamento de Kaya Kalpa.

Mas seria humanamente possível isto acontecer?Um novo jogo de dentes crescer?Os cabelos voltarem a ficar pretos e o corpo rejuvenescer?

Lendo esta história eu me lembrei da Águia. Ela chega a viver até 70 anos. Mas, para chegar a essa idade, ela tem de tomar uma séria e difícil decisão por volta dos 40 anos. Nessa idade, ela está com as unhas compridas e flexíveis, não conseguindo mais caçar suas presas para se alimentar, seu bico alongado e pontiagudo já está curvo, suas asas estão apontando contra o peito, envelhecidas e pesadas em função da grossura das penas, voar já está se tornando tarefa difícil. Então, a Águia só tem duas alternativas: morrer ou enfrentar um dolorido processo de renovação que irá durar 150 dias. Esse processo consiste em voar para o alto de uma montanha e recolher-se em um ninho próximo a um paredão, onde ela não necessite voar. Após encontrar esse lugar, a águia começa a bater com o bico contra a rocha até conseguir arrancá-lo. Após arrancá-lo, espera nascer um novo bico, com o qual vai depois arrancar suas unhas. Quando as novas unhas começam a nascer, ela passa a arrancar as velhas penas. E somente depois de cinco meses ela sai para seu famoso vôo de renovação. E poderá viver, então, por mais 30 anos.

Pareceu-me muito familiar com o processo do Kaya Kalpa citado na história, a Águia só não utilizou ervas com óleos sagrados, mas a reclusão e, o processo de transformação foi praticamente o mesmo.

Será que realmente não possuímos este processo de regeneração? Bem, realmente é muito difícil pensar em um novo jogo de dentes nascendo. Pesquisei durante um ano o processo de Kaya Kalpa, este foi o meu tema do TCC de Ayurveda, Rejuvenescimento. Li vários relatos de pessoas que se submeteram ao tratamento. Um desses relatos é o do irmão de um paciente, vamos chamá-lo pelas iniciais - PVN. Os cabelos, unhas e dentes de PVN não caíram. Seu irmão perguntou a razão ao Vaidya (médico Ayurveda) que estava supervisionando o tratamento e ele respondeu, “só o que precisa mudar, que é ruim, vai cair e o que não necessita de queda não vai cair”. Boa resposta, não? Em minha pesquisa nenhum dos casos relatados recentemente “precisou mudar” ou “precisou cair”, o que me levou a mais uma vez questionar se Kaya Kalpa seria um mito ou uma lenda.

O mito da imortalidade existe há muito tempo e em várias tradições, como a cristã com Jesus Cristo, o taoísmo com os Oito Imortais. Na região do Himalaia, o mito da imortalidade é o de Babaji ( também conhecido como Cristo-Yogue, um extraordinário Guru, um mestre espiritual e avatar) e está vinculado ao Kaya Kalpa. Em 1946, Paramahansa Yogananda, um dos maiores yogues da Índia moderna, revelou em seu livro “Autobiografia de um Yogue”, a existência de um yogue imortal, Mahavatar Babaji. Yogananda relatou como Babaji tem vivido por séculos no Himalaia (entre o Nepal e a Índia) guiando muitos professores espirituais à distância, geralmente sem que eles mesmos soubessem. Babaji foi um grande siddha, destes que superaram as limitações humanas, e que trabalham silenciosamente, nos bastidores da evolução espiritual de toda a humanidade. Paramahansa Yogananda diz que Babaji conseguiu a imortalidade e mantém-se eternamente jovem através de um antigo e secreto processo de rejuvenescimento ayurvédico chamado Kaya Kalpa.

Mas Kaya Kalpa seria realmente um mito, uma lenda? No livro “Como Viver Cem Anos”de Swami Sivananda, ele cita que os Rishis tinham em suas florestas, laboratórios de investigação, para descobrir métodos de prolongar a vida. Eles descobriram que os seres vivos que respiravam lentamente, com menor número de repetições por minuto, viviam mais tempo, e que a suspensão da respiração levava a hibernação e prolongamento da vida. Eles receitaram Pranayama, Asanas como Sirshasana e Sarvangasana, orações, algumas ervas e Kaya Kalpa, para prolongar a vida.

No texto “A Importância da Respiração” de Glauco Tavares, professor de Yoga, ele menciona este estudo: “Os Yogues, isolados na floresta, começaram a perceber as diferenças entre os animais e o seu tipo de respiração. Notaram, por exemplo, que animais com ritmo lento de respirações como o elefante (o coração de um elefante bate 25x por minuto) ou cobras tem vida longa, já os animais com ritmo acelerado como o rato (o coração de um rato bate 1.000x por minuto) e o coelho tem vida curta. Logo, alguns cientistas fizeram um estudo envolvendo um rato e um elefante. O rato morreu com um determinado número de respirações e, após alguns anos, o elefante também morreu dando o mesmo número de respirações do rato. Assim, alguns indianos afirmam que a vida deveria ser medida em número de respirações e não em anos”.

Então o processo principal de prolongar a vida no Kaya Kalpa seria Técnicas de Respiração? Será que existe algo por trás de tudo isso além de Pranayama?

A história da Kaya Kalpa remete as culturas antigas de sábios yogues chamada Siddha e Natha, conhecidos pela sua juventude, vida longa e super forças naturais. Esta modalidade de cura única utiliza um raro e precioso néctar de plantas chamado Somarasa o elixir da imortalidade que visa repor a qualidade do fluido vital no corpo (O Soma védico era uma bebida ancestral que promovia a imortalidade aqueles que a tomavam. Seu feitio era realizado através da planta medicinal Asclepias ácida ou Sarcostoma viminales colhida nas montanhas do Vale do Indo. Os iniciados no Soma sentiam seus corpos se fortalecerem, seus corações se encherem de coragem, suas mentes se encherem de lucidez e da certeza da sua imortalidade).
Mas como o Kaya Kalpa funciona na prática?

Quando o paciente digere o Somarasa, ele sofre um surto de vômito. Isto continua por aproximadamente sete dias e todas as impurezas que foram acumuladas ao longo dos anos são expelidas do corpo. Esta eliminação ocorre na forma de vermes, de sangue, de muco, de fezes soltas etc. Desta forma todo o corpo é cuidadosamente limpo.
No final de sete dias, o paciente perde peso e se torna completamente murcho e seco. A pele parece rachada e os dentes trincados, unhas e cabelos começam a cair. No oitavo dia, o paciente é banhado em leite e coberto coma pasta de Sandal. A partir de então, os músculos simétricos, duros, e fortes, tão claro como diamantes, começam a aparecer. Isto acontece em torno do 17/ 18 dias. As unhas começam a crescer brilhantes e fortes e assim os cabelos. Uma nova pele, agora macia, assumirá o tom suave. (Acredita-se que, a partir do décimo primeiro dia da administração de Amalaka Rasayana, os cabelos, unhas e dentes começam a cair e novos aparecerão. Mas não há conhecimento de que isso aconteça em todos os casos, como já mencionado).

Este processo acontece no Kaya Kalpa Kutipraveshika - É uma terapia em que a pessoa vive em uma cabana (“Kuti” significa “cabana” – “Praveshika” significa “vivendo em“) especialmente preparada para um longo período, 90 dias. Então, em um dia auspicioso, em uma hora auspiciosa,marcados por combinações e por cálculos astrológicos favoráveis, a pessoa que deseja submeter-se ao tratamento, após ter adorado aqueles que devem ser adorados, pode então, entrar na cabana.
A pessoa é tratada somente após a limpeza completa do organismo, com purgativos e com uma dieta com restrições apropriadas. O leite do Soma é extraído da planta, nesta fase, com um instrumento de ouro e seu sumo é coletado em um copo dourado. O sumo extraído é então entregue ao paciente.

Ele tem que seguir rigorosamente uma dieta (consiste principalmente de leite de vaca, que é fervido e dado somente em horas específicas), utilizar as ervas Rasayanas (ervas do rejuvenescimento que contem o amalaki ou o amla (Emblica officinalis, um dos três frutos clássico da Ayurveda), triphala (O Triphala é um lendário desintoxicante intestinal ayurvédico. O Triphala é uma mistura em proporções específicas de três frutos amargos: Harada (Terminalia chebula), Amla (Emblica officinalis) e Behada (Terminalia belerica), cujas propriedades adstringentes tonificam suavemente o cólon e regulam o trânsito intestinal). O paciente deve ficar no interior da cabana, durante o tratamento, deve exercer os Yamas - Ahimsa (não-violência), Satya (verdade), Asteya (não cobiça), Brahmacarya (conter excessos), Aparigraha (desapego) , juntamente com Niyamas - Shauca (pureza), Samtosha (contentamento),Tapas (disciplina), Svâdhyâya (aprendizado), Isvara pranidhâna (rendição), executar os Asanas e os Pranayamas.

O paciente é então transferido para a segunda Griha (câmara), para os próximos dez dias. A dieta é gradualmente mudada, embora esteja ainda regulada. O paciente não deve ainda, contemplar-se no espelho, e deve seguir os deveres anteriormente mencionados.
Após todo o tratamento, é permitido ao paciente retomar a vida normal, muito gradualmente. O paciente pode agora desfrutar de um corpo novo e jovem. Esta pessoa está protegida contra os aspectos negativos do fogo, água, veneno, armas e assim por diante. A pessoa também desenvolverá uma grande energia muscular. A presença dessa pessoa alegra o coração. Acredita-se que todo o conhecimento dos Vedas e seus ramos aliados, instintivamente alvorecem sobre essa pessoa. O Sushrutha Samhita também diz que o Soma é invisível aos indivíduos incrédulos, ingratos e maldosos. Este tratamento especial pode ser feito na Índia, devido à disponibilidade de ervas.

O outro método de tratamento Kaya Kalpa é o Vatatapika - Este procedimento é utilizado em pacientes que não suportam regras rigorosas, e pode ser praticado em sua rotina diária (“Vata” significa “ar” – Tapika” significa “luz solar”). O paciente não é submetido a rigorosos procedimentos. Ele permanece na sociedade exposto ao sol, ar e etc, e continua o seu trabalho normal, enquanto é submetido à terapia. Este tratamento fornece um modelo de vida que integra purificação e rejuvenescimento na vida cotidiana.
Historicamente, este processo de rejuvenescimento poderoso (Kutipraveshica), foi reservado para idosos e sábios yogues que procuraram a longevidade incomum do corpo físico, a fim de continuar e realizar o seu serviço à humanidade.
Então podemos desmistificar Kaya Kalpa, quando dizemos que o objetivo de quem busca por este tratamento não é o de beber da fonte da juventude em busca de uma vida eterna, mas por um intenso desejo de prolongar a vida, para que eles possam evoluir e completar a iluminação nesta vida, evitando a necessidade de reencarnação. Kaya kalpa, faz-se por meio da fé, devoção e da graça.

O verdadeiro Kaya Kalpa só pode ser executado por um Yogue experiente. Que pratica e domina o Pranayama (Prana = energia vital, Ayama = extensão, expandir), com o total controle da suspensão respiratória por um período mais ou menos longo. Se estudarmos todo o processo do Kaya Kalpa, vemos a semelhança com as técnicas do Hatha Yoga, como os Asanas, os Kriyas (processos de purificação interna), pranayama, mudras e bandhas, dharanas, dhyana ou meditaçao, samadhi. No Hatha Pradipika vemos também descrito a moradia que o Yogue deveria residir, para ter êxito na prática, na descrição do lugar indicado pelos antigos sábios do Yoga, tudo se assemelha a Kuti (cabana) construída para o tratamento de Kaya Kalpa, desde o tipo de entrada até a fina camada de esterco de vaca que deveria cobrir o chão, para evitar os insetos e desinfetar a cabana.

Kaya Kalpa é realmente uma realidade, é um processo terapêutico fantástico, que traz rejuvenescimento completo do organismo, através da renovação das células e tecidos. Um processo de rejuvenescimento físico (bem documentado) que usa a mesma base dos tratamentos tradicionais da Ayurveda Clássica: desintoxicação (Panchakarma), terapias do rejuvenescimento (Rasayana - que utiliza ervas como o Soma, o Nila, o Padma, o Hareetaki e o Amala, para tonificar o corpo, dar força e virilidade), juntamente com Asanas e Pranayamas, mas com um objetivo diferente, mais específico: estendendo o período de vida, resistindo ao processo de envelhecimento, mantendo a juventude e a saúde física, adiando a morte até obter o avanço espiritual, para permitir a realização do objetivo do Moksha - libertação espiritual - nesta vida.

3 comentários

Anônimo disse...

Muito bom! Tem muita coisa que eu não sabia... alimentar o corpo fisico e a alma são coisas muitos sérias que na maioria das vezes não levamos em conta da importancia.
Até a forma de respirar conta na nossa pele, corpo, etc....
Parabéns Carla! Pessoas como vc faz a diferença nesse mundo onde sempre esta em busca de um mundo e de pessoas melhores!!!
bj

Adriana do Ro

Unknown disse...

Então vejamos... Alguns pranayama aumentam a quantidade de hemácias no sangue. Outros fortalecem os músculos diafragmáticos, intercostais. Outros ampliam a capacidade respiratoria... Fazendo os ásana podemos aumentar a quantidade de sarcômeros na fibra muscular. A função dos bandhas já são muito conhecidas bem como sua função na manutenção das taaxas hormonais. Dá o que pensar...

GORUMBHA disse...

Pesquisando sobre kaya kalpa encotrei teu blog li este artigo e senti a necessidade de lhe enviar um puja !!
Bom deve ser este teu tcc , e bom é esse artigo que aborda a essência dos verdadeiros devotos !!

Postar um comentário